Entenda por que os chefes de facção no Ceará se abrigaram no Rio de Janeiro
26/07/2025
(Foto: Reprodução) O que são facções criminosas
Investigações das forças de segurança do Ceará identificaram nos últimos anos uma movimentação estratégica de chefes da facção criminosa Comando Vermelho (CV) que saíram daqui do estado para se esconder no Rio de Janeiro, especificamente para a comunidade da Rocinha.
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A transferência desses líderes para a capital fluminense acendeu um alerta sobre o fortalecimento de alianças entre organizações criminosas de diferentes regiões do país. Pois mesmo de longe, esses criminosos continuaram comandando ações no Ceará, chegando a ordenar mais de mil mortes, além de ataques a provedores de internet e interferência nas eleições municipais.
Favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, está servindo de abrigo para criminosos do Ceará.
Reprodução/TV Globo
Criminosos foragidos do Ceará moravam em prédios de luxo erguidos irregularmente pelo tráfico na Rocinha.
Reprodução/ TV Globo
Visando combater a ação dos faccionados, no fim de maio as forças de segurança dos dois estados realizaram uma operação na Rocinha. Na ocasião, foram apreendidas várias armas e mais de 200 quilos de drogas, porém, os criminosos conseguiram fugir por uma mata.
Durante as investigações, foi identificado que os cearenses estavam abrigados em prédios erguidos irregularmente pelo tráfico. Um dos edifícios possuía uma luxuosa cobertura com piscina, cozinha gourmet e geladeira repleta de bebidas, com vista para o mar de São Conrado.
Migrações dos criminosos para o Rio de Janeiro
Para o sociólogo César Barreira, coordenador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) da Universidade Federal do Ceará (UFC), a migração dos chefes do CV para o Rio está sendo ocasionada por vários fatores. Um deles é o endurecimento das ações de combate ao crime organizado no território cearense.
"As facções estão encontrando essa alternativa diante de um certo cerco que a Secretaria de Segurança Pública tem feito no momento. Nesse sentido, a gente poderia destacar muito o uso do Serviço de Inteligência e os bloqueios econômicos. Esse serviço está mapeando as facções. [...] Os próprios grupos criminosos continuam, mas a sua liderança tem que sair daquele Estado, aí a liderança escolhe lugares que possam viabilizar esse trabalho, de continuar ditando regras", disse César Barreira.
Outra questão que propicia a migração dos criminosos cearenses, segundo o sociólogo, é a estrutura do Rio de Janeiro, com muitas favelas em morros de difícil acesso da polícia. Além disso, o Estado é o berço de criação da facção.
"Toda a própria estrutura física da cidade do Rio de Janeiro, com as favelas, a questão dos morros, as favelas grandes com a estrutura interna, aparece como realmente muito propícia. É bem diferente de você ir para outro estado onde essas questões não são dadas. [...] Lá, de certa forma, os traficantes se sentem 'ambientados', no sentido de que é onde eles possam já ter determinado suporte para continuarem com as suas práticas criminosas", falou o sociólogo.
Apoio de megatraficante
Investigação do MPCE apontou que John Wallace da Silva Viana, o "Johny Bravo", chefe do tráfico na favela da Rocinha, está dando apoio aos traficantes cearenses escondidos na comunidade do Rio de Janeiro.
Reprodução
Conforme o promotor de Justiça Adriano Saraiva, coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco), do Ministério Público do Ceará (MPCE), mais de 100 criminosos cearenses estão escondidos na Rocinha.
Destes, cerca de 30 são chefes de facção e os outros atuam como seguranças de "contenção", entrando em confronto com a polícia enquanto os líderes fogem.
Para permanecer na região, os líderes do CV pagam uma contribuição de R$ 100 mil por mês, por hospedagem e proteção na favela. Tudo acontece com o apoio de John Wallace da Silva Viana, o "Johny Bravo", chefe do tráfico na favela da Rocinha.
"O Jhony bravo foi quem acolheu eles, mas depois das operações ele ficou insatisfeito com a presença dos criminosos do Ceará, porque isso, de certa forma, está atrapalhando a comercialização do tráfico de drogas na região", falou o promotor Adriano Saraiva.
José Mário Pires Magalhães ("ZM"), Carlos Mateus da Silva Alencar ("Skidum") e Anastácio Paiva Pereira ("Doze") estão entre os criminosos escondidos no Rio de Janeiro.
SSPDS/ Divulgação
Entre os criminosos cearenses escondidos no Rio de Janeiro estão:
José Mário Pires Magalhães, o "Zé Mário", ou "ZM", também conhecido como "01 do CV" no Ceará;
Carlos Mateus da Silva Alencar, conhecido como "Skidum",
Anastácio Paiva Pereira, "Doze", 'Paizão" ou "Paulinho Maluco",
Bruno Félix Castro;
Carlos Luiz da Costa;
Jairo Morais de Vasconcelos e
Álvaro Luiz Martins.
Os três primeiros figuram na lista de mais procurados do Ceará, por crimes como homicídios, tráfico de drogas, integração em organização criminosa, entre outros.
De acordo com o promotor, são os criminosos que estão no Rio que tomam as decisões mais importantes da facção.
"Aqui no Ceará tem lideranças locais, que tomam as decisões mais simples. Em uma operação a gente conseguiu identificar que é a cúpula do Rio quem dá a última palavra", relatou o promotor.
Interferência em eleição
Prefeito Braguinha (à esquerda, de paletó azul) e vice Gardel na cerimônia de diplomação
Reprodução
Uma dessas ações coordenadas pelos criminosos foi a interferência nas eleições municipais de 2024 na cidade de Santa Quitéria, a 222 quilômetros de distância de Fortaleza, que levou a eleição de José Braga Barrozo (PSB), conhecido como Braguinha, para o cargo de prefeito e do seu vice-prefeito, Francisco Gardel Mesquita Ribeiro.
De acordo com a investigação do Ministério Público Eleitoral (MPE), Braguinha foi favorecido por membros do Comando Vermelho durante o pleito. Os criminosos teriam ameaçado e coagido eleitores e ordenado ações contrárias à candidatura do opositor.
Braguinha e o vice foram presos horas antes de tomar posse. Em maio deste ano a Justiça Eleitoral pediu a cassação dos políticos, que foi acatada pelo Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE). O órgão também condenou os dois à inelegibilidade por um período de oito anos.
"O Doze é natural de Santa Quitéria e é a maior liderança daquela região, por isso ele tinha esse interesse", disse o promotor.
Durante as investigações também foi descoberto que dois servidores da Prefeitura de Santa Quitéria teriam ido até o Rio de Janeiro dirigindo um veículo Mitsubishi Eclipse Cross com intuito de entregá-lo a Anastácio (Doze).
"Esse pessoal era realmente servidor da prefeitura, ligado ao prefeito, eles recebiam cargos de confiança dentro da prefeitura e as coisas foram batendo", relatou Adriano Saraiva.
Captura de foragidos em outros estados
Fuzis e pistolas foram apreendidos em operação das forças de segurança do Rio de Janeiro e do Ceará na Rocinha, em maio deste ano.
PMRJ/ Divulgação
A Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS) informou que a Polícia Civil tem intensificado a atuação integrada com outros estados brasileiros para localizar e capturar foragidos da Justiça cearense.
Segundo o órgão, são realizadas operações constantes com foco na prisão de suspeitos ligados a grupos criminosos e autores de crimes cometidos no Ceará que se esconderam em outras regiões do país.
"A SSPDS ressalta, ainda, que as Forças de Segurança do Ceará mantêm contato com as unidades de Segurança Pública dos demais estados, com o objetivo de identificar e capturar suspeitos de envolvimento em crimes. Os trabalhos investigativos coordenados contam com o apoio da Coordenadoria de Inteligência (Coin)", disse a SSPDS.
Ainda conforme a pasta, de janeiro a maio deste ano, 107 prisões de foragidos da Justiça do Ceará foram realizadas em diversas regiões do país. Durante o ano de 2024, 187 foragidos foram capturados.
Além disso, a Polícia Civil também tem atuado no bloqueio de bens de pessoas investigadas por envolvimento com o crime organizado.
Por meio do Departamento de Recuperação de Ativos (DRA), foram bloqueados, entre janeiro e junho deste ano, mais de R$ 11,2 milhões em imóveis, veículos e contas bancárias, conforme o órgão.
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